Posted por em 3 jun 2016

Decors-Evange

Estudo oferecido na Federação Espírita Brasileira, em 6 de junho

Áudio do estudo oferecido (mp3) – A cura da filha da mulher cananeiaSeparador-Evange

Antes de tecermos considerações sobre o encontro de Jesus com a mulher cananeia, é importante falarmos sobre o contexto em que se deu o fato.

Depois da ocorrência da primeira multiplicação dos pães, como citado em Marcos 6:30-34 e em Mateus 14:13-21, os discípulos entraram em um barco para travessia do mar da Galileia.

Jesus, após atender e despedir a multidão, foi ter com eles. Aqui se verificou ter Jesus andado sobre o mar e ido ao encontro dos discípulos. Está em Marcos 6:53-56:

“E, terminada a travessia, chegaram à terra em Genezaré, e ali atracaram.

Logo que desembarcaram, o povo reconheceu a Jesus; e correndo eles por toda aquela região, começaram a levar nos leitos os que se achavam enfermos, para onde ouviam dizer que ele estava.

Onde quer, pois, que entrava, fosse nas aldeias, nas cidades ou nos campos, apresentavam os enfermos nas praças, e rogavam-lhe que os deixasse tocar ao menos a orla do seu manto; e todos os que a tocavam ficavam curados.” (1)

Alguns fariseus e escribas, vindos de Jerusalém, foram ter com Jesus e ali o Mestre discorre sobre a questão de o que verdadeiramente contamina o homem. Enfatiza Jesus (Marcos 7:14-17):

“E chamando a si outra vez a multidão, disse-lhes: Ouvi-me vós todos, e entendei.

Nada há fora do homem que, entrando nele, possa contaminá-lo; mas o que sai do homem, isso é que o contamina.

[Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.]

Após esta ocorrência, Jesus levanta-se daquele lugar e segue para as cercanias de Tiro e de Sidon. Região não israelita. Entra na casa daqueles que o aguardam, querendo deixar-se oculto. No entanto, é procurado por uma mulher que lhe diz ter uma filhinha obsidiada por um espírito sem esclarecimento, prostrando-se a seus pés.

Aqui um aparte importante.

A referência como cananeia dá-se em razão de nesse território ter se estabelecida a primeira colônia dos cananeus, descendentes de Canaã, filho de Cam, neto de Noé. Referência bíblica em a Gênese 10:15-20:

“Canaã gerou a Sidom, seu primogênito (…) Depois se espalharam as famílias dos cananeus.

(…) desde Sidom, (…) e daí em direção a Sodoma, Gomorra, Admá e Zeboim, até Lasa.

São esses os filhos de Cão segundo as suas famílias, segundo as suas línguas, em suas terras, em suas nações.”

Jesus já se tornara conhecido por toda a região, tanto que em Marcos 3:8, no episódio da cura do homem com uma das mãos atrofiadas, há a menção de uma multidão haver ido ao encontro de Jesus, para ouvi-lo, e entre esses os da região de Tiro e Sidom.

No caso específico deste estudo, Jesus não teria ido às cercanias dessas cidades para levar a Boa Nova, ele pretendia permanecer incógnito. Neste contexto, os escritos evangélicos só mencionaram o encontro da mulher cananeia com Jesus, subentendendo-se, portanto, que o Mestre tenha conseguido manter-se afastado das multidões, não obstante este encontro.

Sobre esta personalidade feminina, temos a dizer que era de uma religião diferente da de Jesus e de seus apóstolos, não judaica, e falava o grego, nativa da Sirofenícia. Marcos, em razão de a sua narrativa estar dirigida aos romanos, entra em detalhes quanto à origem da mulher que foi ao encontro de Jesus – minúcias étnicas e geográficas. Na narrativa de Mateus, por este dirigir-se aos israelitas, não deu importância a essas minudências, por certo em razão de a referência a ser cananeia ser suficiente para a identificação de quem se tratava.

A mulher cananeia, quando se dirige a Jesus, chama-o não só de Senhor, como também de Filho de Davi. Expressão usual para um israelita, mas provavelmente não viria de alguém que não professava o judaísmo. Este fato leva-nos a crer que Jesus era realmente conhecido e respeitado na região, não obstante não ser território israelita.

Aquela mãe aflita, ao solicitar que curasse sua filha, recebe de Jesus o silêncio (narrativa de Mateus). Os discípulos rogaram ao Mestre: – “Despede-a, porque vem gritando atrás de nós.”. Jesus responde: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.

Há aqui duas situações que nos trazem estranheza: o silêncio de Jesus ao ser solicitado a ajudar a filha daquela mulher e o uso da expressão “despede-a”, pelos discípulos. Quanto ao silêncio de Jesus falaremos mais à frente. No entanto, quanto à expressão usada pelos discípulos vale esclarecer que, no grego, “despede-a” tem o mesmo significado de “despede, atendendo-a” (2) o que muda totalmente o sentido que de pronto poderíamos acolher ao ler o texto evangélico.

Não obstante a mulher cananeia ter recebido primeiramente o silêncio em resposta à sua rogativa, ela mantém-se firme no ensejo de encontrar a solução para o problema da filha obsidiada. Volta então a dirigir-se a Jesus: “Senhor socorre-me”! Com esta atitude ela demonstra determinação, confiança firme e podemos até mesmo acrescentar, inabalável.

Ao que Jesus diz:

Em Mateus: “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”;

Em Marcos: “Deixa primeiro que se fartem os filhos; porque não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.

Como poderemos interpretar esta fala? Em primeiro momento algo em nós sugere que não aceitemos que Jesus possa ter respondido assim à mulher. Somando-se, a esta fala, o silêncio com que Jesus a ouve na sua primeira rogativa.

Como imaginar o Mestre comportando-se assim com alguém que O procura em busca de socorro? Não daria para entender!

Precisamos então buscar alguns significados para esta passagem e interpretar o comportamento de Jesus de forma a que venha a ser coerente com a imagem que temos dele, principalmente se aceitamos como verdadeiro o que contém a questão 625 de o Livro dos Espíritos: “Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?” Resposta: “Jesus.”

Não há como acreditar que a fala de Jesus tenha sido com intenção de ofender ou humilhar aquela mulher. Então, passemos a refletir.

Quanto ao silêncio inicial do Mestre, poderemos interpretar como uma pausa intencional para avaliar a determinação da mulher e dar-lhe a oportunidade de demonstrar a confiança que depositava na possibilidade de ver sua filha curada pelo poder de Jesus.

Quanto à fala de Jesus sobre oferecer-se o pão primeiro aos filhos e depois aos cachorrinhos… Bom esclarecer que os judeus chamavam os gentios de “cães”. Jesus, no caso, expressa-se usando o termo cachorrinhos. Refere-se Ele, na mesma frase, também a filhos, como se pudessem estar no mesmo contexto. Se assim buscarmos entendimento, tanto os filhos como os cachorrinhos poderiam estar juntos em um mesmo ambiente, como em um recinto doméstico onde estariam estes em harmonia. Ali, naquele momento, estavam eles – Jesus e os discípulos -, judeus, e ela uma mulher cananeia, identificada como uma pagã, estrangeira no rol dos gentios e, por decorrência, um “cão”. Ao Jesus referir-se aos cachorrinhos (diminutivo) estaria acolhendo-a de forma carinhosa. Não teria um sentido depreciativo. Poderíamos até mesmo nos permitir vislumbrar a feição sorridente do Mestre ao expressar-se assim. (3)

A mulher persevera em sua confiança e diz a Jesus

Em Mateus: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”.

Em Marcos: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos, debaixo da mesa comem as migalhas das crianças”.

Nesse momento Jesus então lhe diz:

“Por esta palavra, vai-te: o espírito já saiu de tua filha”. Narrativa de Marcos.

“Ó mulher, é grande tua confiança! Faça-se contigo como queres”. E desde aquela hora, sua filha ficou curada.” Narrativa de Mateus.

Marcos ainda acrescenta: “E tendo entrado em sua casa, ela achou a menina deitada na cama, tendo (dela) saído o espírito.”

A mulher cananeia demonstra, com a sua fala, não só que já ouvira falar sobre Jesus, sua mensagem de Boa Nova, suas curas… Ela também já acolhera em seu íntimo a confiança naquele Ser que promovera maravilhas por toda aquela região.

Uma observação interessante, encontrada também no livro Sabedoria do Evangelho, Livro 4, do Pastorino, é que tanto a mulher cananeia quanto o Centurião solicitaram a cura à distância, da filha e do servo, respectivamente. Foram ali demonstradas, por parte desses dois personagens, a confiança firme e sólida. As duas curas efetivamente se deram sem que Jesus estivesse fisicamente presente junto aos doentes mencionados.

Agostinho (Santo Agostinho, para os católicos), em seus estudos Questões Evangélicas, registra:

“as duas curas milagrosas que Jesus realizou, nessa menina e no servo do centurião, sem entrar em suas casas, são a figura de que as nações (os gentios) seriam salvos por força de sua palavra, sem serem honrados, como os judeus, com sua visita”. (4)

Há uma observação em a Bíblia de Jerusalém que: “Jesus realiza uma cura em benefício de pagão ou de pagã; mas ele cura à distância, pelo poder de sua palavra, porque não era permitido a judeu entrar na casa de pagão.”

É uma visão interessante sobre os dois fatos. Poderemos até mesmo estender essa interpretação oferecida por Agostinho a todos nós que somos beneficiados pelo poder do Mestre em nossas curas físicas e espirituais. Não obstante não estejamos vivenciando a graça da sua presença física entre nós. Temos a oportunidade de sermos curados, pacificados, abençoados à distância, necessitando, tão-somente, acolhermos em nossos corações a confiança, a determinação, a vontade e, principalmente, a esperança e a fé.

Separador-Evange

  1. “Que façam para eles tzitzit (franjas) sobre as bordas das suas vestes, pelas suas gerações e porão sobre os tzitzit da borda um cordão azul celeste. E será para vós por tzitzit e vereis e lembrareis todos os mandamentos de Deus e os cumprireis e não errareis indo atrás do vosso coração e atrás dos vossos olhos, atrás dos quais vós andais errando; para que vos lembreis e cumprais todos os Meus mandamentos e sejais santos para com vosso Deus.” (Números 15:38-41)
  2. Interpretação oferecida na Bíblia de Jerusalém.
  3. Sugestão oferecida por Pastorino em o livro Sabedoria do Evangelho, Livro 4)
  4. (Quaestiones Evangelicae, 1, 18, in Patrol. Lat. vol. 35, col. 1327)

3 Comentários

  1. 26-2-2018

    Excelente as explicações. Estou estudando o Novo Testamento e muitas vezes fico sem entender o que Jesus fala nas entre linhas. Com essas explicações estou mais motivada a continuar o estudo da Boa Nova.

    • 26-2-2018

      Excelente as explicações. Estou estudando o Novo Testamento e muitas vezes fico sem entender o que Jesus fala nas entre linhas. Com essas explicações estou mais motivada a continuar o estudo da Boa Nova.

      • 26-2-2018

        Bom dia. Fico feliz em saber que as reflexões foram úteis a você no estudo do Evangelho. Continue sim seus estudos, sempre poderá ser surpreendida por descobertas maravilhosas a respeito desse Ser maravilhoso que é Jesus. Carinhoso e fraternal abraço.

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