Posted por em 10 ago 2015

Decors-Evange

Tema oferecido no Estudo do Evangelho na FEB-Federação Espírita Brasileira, no dia 10 de agosto de 2015

Separador-Evange

“As mulheres, ao lado de Jesus, eram as mãos do socorro atendendo os enfermos, as criancinhas aturdidas e rebeldes que lhes eram levadas, providenciando alimentos e roupas, auxílio de todo jaez nas jornadas entre as aldeias e cidades, povoados e ajuntamentos. (…) Eram as suas vozes meigas e compassivas que tranquilizavam os exasperados antes de chegarem até o Mestre; sua paciência e gentileza que amainava a ira e a rebeldia precedentes ao contato com Ele, constituindo segurança e alívio pra as provas que os desesperados carregavam em clima de reparações dolorosas.” Amélia Rodrigues (Franco, 2000, p.104) – Da Manjedoura a Emaús, Wesley Caldeira, FEB

Separador-Evange Esta passagem que fala sobre o encontro de Jesus com a samaritana só consta do evangelho de João. Assim está registrado no capítulo 4:

(…) “deixou a Judéia, e foi outra vez para a Galileia.

E era-lhe necessário passar por Samaria.

Chegou, pois, a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, junto da herdade que Jacó dera a seu filho José; achava-se ali o poço de Jacó. Jesus, pois, cansado da viagem, sentou-se assim junto do poço; era cerca da hora sexta.

Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber.“ (João 4:3-7)

Jesus, com o simples pedir água para beber à samaritana, demonstrava que as barreiras socioculturais deveriam ser desfeitas.

Certamente estranha a samaritana que aquele judeu tenha dirigido a ela a palavra, considerando-se as diferenças existentes entre os judeus e os samaritanos, mais ainda por ser ela uma mulher.

Disse-lhe então a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (Porque os judeus não se comunicavam com os samaritanos.) (João 4:9)

Pode-se imaginar a possibilidade de ter passado na mente da samaritana o fato de um judeu precisar dela, para ter acesso à água, proporcionar-lhe uma situação de privilégio.

No entanto, Jesus continua:

“Respondeu-lhe Jesus: Se tivesses conhecido o dom de Deus e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe terias pedido e ele te haveria dado água viva.

(…)

Replicou-lhe Jesus: Todo o que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna.

Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, nem venha aqui tirá-la.” (João 4:10-15)

Podemos reconhecer este encontro como a vitória do Evangelho de amor sobre os preconceitos socioculturais. Uma maneira de mostrar à samaritana a possibilidade de uma relação fraterna entre os judeus e os samaritanos ser possível.

Também importante refletir que não só a samaritana estaria sendo levada a esta reflexão, mas também os discípulos. Eles foram orientados por Jesus para entrar na cidade de Sicar para comprar comida. As barreiras socioculturais deveriam ser também quebradas para eles e por eles, pois teriam que fazer contato com os samaritanos da cidade.

Jesus estava criando uma oportunidade muito especial para a tentativa de renovação dos conceitos e quebra dos preconceitos entre aqueles povos.

O Mestre habilmente proporcionava uma ambientação emocional naquela mulher preparando-a para seu despertamento à Boa Nova que estava prestes a lhe oferecer. Importante sentir-se envolvida por uma energia especial e estar pronta para uma nova e profunda revelação.

Há um detalhe a ser considerado também nas relações entre judeus e samaritanos.

Para os judeus, o povo de Samaria era considerado impuro, contaminado por considerações históricas de miscigenação com outros povos. No caso da mulher, mais ainda seria considerada impura.

Quando Jesus continua o seu diálogo com a samaritana há um novo fator em destaque:

“Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido e vem cá.

Respondeu a mulher: Não tenho marido. Disse-lhe Jesus: Disseste bem: Não tenho marido;

porque cinco maridos tiveste, e o que agora tens não é teu marido; isso disseste com verdade.” (João 4:16-18)

Aqui nesta passagem podemos identificar que a samaritana poderia ser considerada impura não tão-somente por ser uma samaritana, mas também por ter tido mais de um marido. Uma condição de severa gravidade tanto para os judeus como também para os próprios samaritanos.

Concluímos que esta mulher não seria bem vista na própria sociedade em que estava inserida.

Certamente ela teria ido ao poço de Jacó em horário diferente do de outras mulheres, pois estas não a aceitariam entre elas. O preconceito aqui no caso era ainda mais intenso. Esta samaritana deveria viver totalmente à margem da sociedade, tanto com relação aos homens como também com relação às mulheres.

Jesus, com sua sabedoria e amor, identificara naquela mulher um ser que estaria pronto para acolher os ensinamentos e ser libertada dos preconceitos. Mais do que isso, um Espírito que se transformaria em propagador dos ensinamentos do Mestre

A partir deste momento, a samaritana mudou a sua forma de se expressar com relação a Jesus:

“Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta.

Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar.

Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me, a hora vem, em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai.

Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos; porque a salvação vem dos judeus.

Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.

Deus é Espírito, e é necessário que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” (João 4:19-24)

Um novo conceito sobre o adorar a Deus, não havendo um lugar específico para o culto. O que importa é a atitude do coração e da mente, e a obediência às leis Deus.

Neste momento a samaritana já estaria em condições de acolher mais uma revelação que lhe proporcionaria alavancar o seu processo de despertamento para uma verdade maior.

“Replicou-lhe a mulher: Eu sei que vem o Messias (que se chama o Cristo); quando ele vier há de nos anunciar todas as coisas.

Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo.” (João 4:25 e 26)

Interessante percebermos que durante todo este diálogo os discípulos estiveram afastados, cumprindo recomendações do Mestre quanto aos afazeres na cidade de Sicar. Provavelmente se ali estivessem enquanto Jesus procurava com ela conversar, a presença deles teria intimidado a mulher a manter com ele o diálogo. O afastamento deles, sugerido pelo Mestre, fora providencial.

“E nisto vieram os seus discípulos, e se admiravam de que estivesse falando com uma mulher; todavia nenhum lhe perguntou: Que é que procuras? ou: Por que falas com ela?” (João 4:27)

Naquele momento a samaritana iniciou a missão que Jesus lhe oferecera sutilmente, a de divulgadora de novos conceitos, verdades desconhecidas por aquele povo.

“Deixou, pois, a mulher o seu cântaro, foi à cidade e disse àqueles homens:

Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto eu tenho feito; será este, porventura, o Cristo?

Saíram, pois, da cidade e vinham ter com ele.” (João 4:28 a 30)

Identificamos, através desta passagem do Evangelho de João, que as grandes mudanças pelas quais passamos transcorrem pelo contato com o Mestre, com suas palavras e ensinamentos. Este contato, no entanto, precisa ser intenso, transformador. Precisa tocar fundo a nossa alma, sensibilizar intensamente o espírito que somos.

Faz-se necessário estarmos sensíveis e disponíveis para acolher em nós o amor de Jesus e deixar que este sentimento seja o agente da nossa renovação espiritual.

A samaritana estava pronta para este encontro, não obstante não tivesse consciência dessa sua condição. Jesus, no entanto, sabia disto e foi ao encontro dela em momento bem oportuno para levar suas palavras e abrir o seu coração para uma realidade que abriria novos horizontes à sua vida.

O Mestre percebe em cada um de nós uma semente pronta para ser despertada a produzir frutos e oferece sua energia para alavancar este processo.

Muitas vezes somos como a samaritana. Não reconhecemos a nossa condição de agentes transformadores, em potencial. Precisamos ter o nosso encontro com Jesus e conversarmos com Ele e deixar que ele fale ao nosso coração.

Não há um só ser que não possa ser um propagador dos ensinamentos evangélicos. Basta tão-somente permitirmo-nos ser tocados pelo amor de Jesus e só o seremos se nos dispusermos a acolher as verdades oferecidas pelo Mestre e partilhar, o que acolhemos, em favor de outras pessoas que também estejam precisando ser despertadas.

Apesar de na sociedade em que estamos inseridos já haver uma abertura para a ação da mulher em várias áreas do conhecimento e de trabalho, muito ainda se percebe o preconceito. E não só com relação à mulher.

Precisamos buscar nesta passagem do Evangelho de João, bem como em muitas outras em que Jesus valoriza o trabalho da mulher com relação à divulgação da sua mensagem, uma nova luz para o nosso olhar e perceber que todos estamos a serviço do Mestre, indistintamente, a todo tempo em todos os lugares.

Por vezes mantemo-nos sem uma ação efetiva, em momentos até mesmo indiferentes e inconscientes quanto a isso, mas o Mestre aguarda oferecendo-nos oportunidades para o nosso despertar e espera que assumamos a nossa missão de multiplicadores dos seus ensinamentos.

Um pouco da história e da cultura desde os povos israelitas

A ruptura entre os judeus e os samaritanos teria ocorrido por volta de 500 a.C. (tendo-se como referência o livro de Esdras, V.T.)

No entanto, o começo da história samaritana propriamente dita situar-se-ia no começo da época helenística (323 a.C.), com a construção de um templo rival ao de Jerusalém, no monte Gerezim, em Siquém (atual Nablus).

Três são os pontos principais que levaram à ruptura das relações entre os judeus e os samaritanos.

Preconceito político – divisão do Estado, antes unificado pelos Reis Davi e Salomão, resultando no reino de Israel, centralizado em Samaria, e o reino de Judá, com capital em Jerusalém.

Obs.: Algo em torno do ano 1000 a.C., os israelitas viviam em terras a leste do rio Jordão, e outros pouco a oeste deste rio.

Eles eram formados por doze tribos e chamados de as doze tribos de Israel.

Depois da morte do rei Salomão, cerca de 930 a.C., dez das tribos, as do norte, separaram-se e formaram o reino de Israel, também conhecido como reino da Samaria em razão do nome da cidade que fora sua capital no século IX a.C.

As duas tribos ao sul denominaram-se, então, reino de Judá.

O reino de Judá instalou-se em Jerusalém. As tribos que formaram o reino de Israel instalaram-se em diversos pontos e os mais importantes nas extremidades norte e sul do reino – Betel e Dan.

Preconceito racial – originado pela invasão assíria e consequente miscigenação entre dominadores, exilados e samaritanos.

Obs.: Os judeus ortodoxos consideram os samaritanos como descendentes de populações estrangeiras, com uma versão adulterada da religião hebraica. Recusam-se a reconhecê-los como judeus ou mesmo como descendentes dos antigos israelitas.

Preconceito religioso – diferenças na aceitação dos livros do Velho Testamento. Os judeus acolhiam os livros na sua totalidade (39 livros), bem como a tradição oral (Talmud), e os samaritanos tão-só o Pentateuco, os livros de Moisés – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Também de grande relevância a construção do templo rival o de Jerusalém, por Manassés, no Monte Garizim.

Obs.: Os samaritanos aceitam apenas a autoridade do Pentateuco (os cinco livros de Moisés, V.T.). Rejeitam os outros livros da Bíblia judaica, assim como a tradição oral (Talmud). Rejeitam a importância religiosa de Jerusalém. Consideram-se descendentes dos antigos habitantes do então reino de Israel, não se reconhecem como judeus.

Importante ressaltar que, à época em que Jesus encontrou com a samaritana, era vergonhoso para um homem conversar com uma mulher em público e deveria abster-se de dirigir a palavra até mesmo a sua própria esposa, fora do recinto doméstico. Menos provável ainda que um judeu conversasse com um samaritano.

Considerando-se o preconceito para com a mulher de uma forma geral, seria inaceitável que um judeu conversasse com uma samaritana e muito menos pedisse a ela que lhe servisse água.

Um outro ponto importante para analisarmos este encontro de Jesus com a samaritana é: por qual razão Jesus teria tomado aquele caminho para ir da Judeia até a Galileia? Não era normal que um judeu passasse por Samaria, em qualquer circunstância. Eles tinham a própria trilha, que ia ao norte da Judeia, a leste do Jordão, entrando na Galileia.

Não há concordância entre os historiadores quanto a este ponto. Levantam-se hipóteses como: usar o caminho como atalho para afastar-se dos sacerdotes que se sentiam incomodados por Jesus reunir multidões à sua volta (evitando um confronto antes do tempo); pelas chuvas que transbordavam o rio Jordão, dificultando o caminho costumeiramente seguindo pelos judeus que queriam ir até a Galileia.

 

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