Não vim trazer a paz, mas espada – um olhar sobre a paz e a esperança

Posted por em 21 nov 2014

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Áudio (mp3) quando proferida no Grupo Fraternidade/Humberto de Campos – Não vim trazer a paz, mas espada

“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.” Mateus 10:34

Podemos achar estranho. O Mestre que fala tanto de amor, de respeito e compaixão, como ele poderia falar em trazer dissenções familiares, sociais? A divisão.

A mensagem do Mestre abria um novo horizonte para aqueles que estavam sensíveis a acolher o amor, o respeito, a compaixão, a ética nas relações interpessoais, justiça, igualdade, inclusão, harmonia. No entanto, aqueles que detinham o poder, por não quererem abrir mão do prestígio, da autoridade, da supremacia sobre os menos favorecidos, tentaram a anulação das novas ideias matando o idealizador.

Não compreenderam que estavam diante de algo muito maior do que o próprio propagador da ideia. A Boa Nova tinha vindo para ficar e fincar raízes profundas no mundo não só daquela época, mas por toda a eternidade.

Se em uma família alguém aceita alguma ideia nova e diferente, mesmo hoje em dia nós percebemos isso, as outras pessoas que não estão familiarizadas com aquele novo conceito, seja religioso, seja filosófico, acabam por criar atritos, porque às vezes queremos impor as nossas ideias e julgar os demais que as aceitam.

Lembremo-nos da passagem em que Jesus disse: “Não julgueis para que não sejais julgados” (Mateus 7:1). Muitas vezes julgamos o outro esquecendo-nos do quanto somos falíveis, frágeis, do quanto erramos. Mais adiante, na passagem em Mateus, Jesus ainda disse: “E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?” (Mateus 7:3). Precisamos aprender a respeitar o outro.

Quando Jesus disse que iria trazer divisão é porque ele sabia que as novas ideias iriam promover dificuldades nas relações entre as pessoas. Sejam nas relações religiosas, filosóficas, políticas, de poder e mesmo familiares. Essa era a divisão a que Jesus se referira.

Quando Jesus afirmou: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”, ele tão-somente anteviu o que viria acontecer, pois esses acontecimentos eram inevitáveis em razão do nível de espiritualização em que a Humanidade terrena ainda se encontrava.

Precisamos estar atentos, pois ainda hoje nós nos comportamos assim. No convívio com nossos companheiros de jornada queremos que o outro pense como nós, porque nós temos a verdade, não é assim? Não percebemos, ou não respeitamos a crença ou as ideias do outro, a verdade dele, a maneira dele de perceber o mundo, a vida e o que existe à sua volta.

Convivemos com pessoas em diferentes níveis de evolução, seja espiritual, moral, intelectual ou emocional. No entanto, o estar evoluído em um desses aspectos não implica necessariamente que o esteja em outro.

A diversidade tem sua razão de ser, pois é no conviver com as diferenças que aprendemos uns com os outros. A evolução passa pela troca de experiências e aquisições de conhecimento em seus vários níveis e aspectos. Nosso compromisso está no compartilhamento do que sabemos e sentimos. Precisamos proporcionar ao outro a oportunidade de se elevar no que ele ainda prescinda para sua evolução, como também de devemos observar e aprender com o nosso companheiro de jornada para que possamos alcançar níveis muito próximos em múltiplos aspectos e evoluirmos juntos.

Muitas vezes nós ouvimos essa expressão: a evolução é um caminho solitário. Significa que devemos aprender e nos transformarmos, renovar nossos princípios e conceitos, no interior de cada um de nós. No entanto, esse progresso individual se faz para que tenhamos condições e oferecer, uns aos outros, oportunidades de novos aprendizados, compartilhando experiências.

Não podemos ter um conhecimento estéril, mas um conhecimento útil, que produza frutos. É o nosso compromisso nessa jornada terrena.

Jesus nos disse que não veio trazer a paz, sim a divisão. No entanto, em outro momento ele nos disse: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou. Não vô-la dou como o mundo a dá, não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João 14:27)

Podemos inferir ser a paz que ele não trouxe ser a paz na nossa visão limitada, das relações nossas, de estar bem com o mundo.

A paz verdadeira Ele nos trouxe, a paz a que se referiu quando estava para deixar o plano material. A paz que o mundo não dá.

Como conseguiríamos alcançar essa paz que não é do mundo, mas que pode ser conquistada no mundo?

Há algumas reflexões que nos podem auxiliar na busca por uma resposta a esta indagação.

A paz que nós queremos tanto só vai ocorrer quando percebermos a real necessidade de vivermos de forma fraterna.

Enquanto estivermos com o olhar de julgamento, nós não teremos paz. É comum ocorrer algo assim, nós percebemos algo e nos incomodarmos com a forma como outro é. Se nos sentimos incomodados já deixamos de sentir paz. Essa falta de paz não é por causa do outro, é por nós mesmos! Nós é que nos permitimos sentir incomodados por o outro ser diferente do que gostaríamos que fosse.

Por onde passa a nossa paz? Pela autotransformação, pelo autoconhecimento. Quando nós identificamos o que somos.

Não é simples nós identificarmos nossas fragilidades, imperfeições. Não queremos ver os nossos próprios erros, não queremos nos enxergar como realmente somos. Ainda somos orgulhosos e vaidosos. Não devemos nos sentir culpados por isso, é uma realidade que pode e deve ser transformada.

Se fôssemos perfeitos não estaríamos vivendo em um mundo de expiação e provas, já estaríamos em um mundo de regeneração, pelo menos.

Precisamos nos conhecer mais. Quem eu sou, como me comporto perante a vida, qual é a minha atitude nas minhas relações com as pessoas?

Li certa vez uma frase que nos remetia à seguinte reflexão: se eu partir amanhã, eu poderia dizer hoje que estou satisfeito com o que sou? Será que eu estou fazendo o que deveria fazer? Ou preciso mudar algo em mim?

Caso tenhamos esta proposta como meta, certamente conseguiremos ser melhores a cada dia, transformando pouco a pouco o Ser que somos.

Todas as noites deveríamos fazer uma reflexão sobre como foi o nosso dia. Meu comportamento foi adequado; há algo que deveria ter sido diferente e por isso devo procurar mudar o meu comportamento?

No dia seguinte, antes das tarefas rotineiras, deveremos pensar qual o compromisso que devo assumir hoje visando melhorar a minha vida, minhas atitudes.

Fazendo isso nós vamos encontrando a paz aos poucos, começaremos a gostar mais de nós mesmos.

Quanto mais satisfeitos estivermos com o nosso comportamento, com o nosso olhar, com os nossos pensamentos, mais estaremos em paz. Não porque teremos encontrado a perfeição, mas saberemos que poderemos transformar a nós mesmos.

Todas as vezes em que nos percebermos em condições de mudar, e de nos melhorarmos, estaremos mais perto de encontrar a paz.

Falando sobre paz, reforma íntima, autoconhecimento, autotransformação, gostaria de trazer uma reflexão sobre coisas que percebemos no mundo, este em que estamos vivendo hoje, situações bem atuais.

Quando estudamos a Boa Nova precisamos trazer para o nosso contexto os seus ensinamentos.

Eu me proponho trazer situações da nossa realidade que nos possibilitaria perceber que podemos encontrar a paz nos dias de hoje.

Há um filósofo brasileiro que em um de seus livros traz-nos um olhar interessante sobre situações de nosso dia-a-dia. (1) Por exemplo: como nós nos comportamos com nossos filhos hoje em dia? Há pais que por vezes comentam algo como: o mundo não tem futuro; não há mais esperança para o mundo em que vivemos; o mundo está violento, não vamos ter paz…

Ele alerta para o fato de que, quando nos comportamos assim, nós estamos dizendo a eles que o mundo não tem futuro, que eles não têm futuro! Esse tipo de discurso poderá levar os nossos jovens a acreditar que terão de aproveitar o hoje de forma intensa, remetendo-os, muitas vezes, ao uso de drogas, à violência, ao descrédito sobre suas próprias vidas, à desesperança, à depressão.

Essas pessoas normalmente acrescentam a esse discurso expressões como: não há o que fazer; não adianta agirmos, pois não conseguiremos mudar as coisas; o jeito é esperar que alguém com condições (políticas ou de poder) apareça para mudar a situação.

São pessoas que não têm atitude transformadores só de manutenção do status quo.

Pergunto a vocês, será que realmente não temos futuro, a esperança não existe para nós, para a nossa família, para a nossa cidade, para o nosso País, para o mundo?

Se olharmos de forma diferente para os acontecimentos ao redor do mundo identificaremos projetos, mobilização de grupos de pessoas que querem transformar o mundo, transformar a vida de algumas sociedades que vivem em situações bem precárias. São agentes de mudanças, mudanças para melhor.

O interessante é direcionar o nosso olhar para a verdadeira realidade em que vivemos: há violência, pobreza extrema, falta de saneamento básico e muitas outras coisas que precisam ser transformadas; mas há também promoções maravilhosas em todo o mundo querendo fazer com que tudo isso seja erradicado do Planeta. É sobre isso que gostaria de refletir – podemos ser agentes de transformação. (2)

Certa vez li uma entrevista realizada com Satya Sai Baba onde ele diz que não há mais maldade no mundo, o que há é mais luz. (3) Estamos percebendo com mais clareza o que acontece no mundo. É sinal de que já atingimos um patamar que nos permite ver o que precisa ser mudado para que o mundo seja melhor. Só uma certa evolução nos proporciona isso.(3)

Lendo esta entrevista eu me lembrei da passagem em que Jesus nos disse: Vós sois a luz do mundo. (…)Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus 5:14 e 16)

Nós somos luzes, mas não nos permitimos fazer brilhar.

Nós vamos encontrar a paz quando percebermos esse Ser de luz que somos e deixarmo-nos brilhar para iluminar o mundo.

O que aprendemos durante a nossa jornada deve ser tornado útil, não pode ser guardado.

Quando nós efetivamente percebermos isso e cada um de nós fizer com que a luz própria brilhe, o seu conhecimento seja compartilhado, o mundo tornar-se-á melhor.

Vamos nos lembrar também de um grande pensador e educador brasileiro – Paulo Freire. Ele disse certa vez: “não se pode confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar. Isso não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.” (1)

Precisamos ter persistência, mesmo quando não atingimos, de imediato, nossos objetivos. Quando quero atingir uma meta, tenho que promover na minha vida atitudes que me levam a alcançar essa meta.

Para alcançarmos a nossa paz e atingirmos aquilo a que viemos, devemos estudar, acolher o conhecimento, compartilhar, reconhecermos que somos luz e fazer brilhar essa luz e agir. Se não agirmos o mundo não muda, continuará sendo o mundo para o qual simplesmente olhamos.

Temos que olhar o mundo e tentar transformar esse mundo. Sermos agentes da autotransformação e da transformação da sociedade em que vivemos, do mundo em que estamos inseridos.

Vale a pena assistir a um documentário (DVD) cujo título é “Quem se importa”. É uma amostra da mobilização que há em várias partes do Planeta visando a nossa conscientização sobre o que há no mundo e o que podemos fazer para melhorar as condições em que vivemos.(4)

Precisamos ter esperança e olhar para o mundo como seres iluminados que somos. Porque a paz nós conseguiremos descobrindo que somos pessoas melhores do que imaginamos.

Vamos ter a esperança do verbo esperançar e sermos agentes da nossa transformação.

Voltando à paz e à divisão a que se refere o texto de Mateus. A divisão ali referida ocorreu porque as pessoas não tinham a conscientização que buscamos hoje: sermos abertos ao novo e olharmos o novo como algo que pode ser acrescido ao nosso conhecimento e à nossa vida. Não termos tantos bloqueios, nem ficarmos cristalizados em preconceitos.

Termos um olhar fraternal com relação às pessoas e de acolhimento a ideias que podem transformar o mundo, e sermos agentes dessa transformação. Assim nós alcançaremos a paz a que Jesus se referira: “Deixo-vos a Paz, a minha Paz vos dou. Não vô-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João 14:27)

Será a nossa paz interior que vamos fazer brilhar no contexto em que estamos vivendo. Fazendo brilhar a nossa luz seremos agentes dessa transformação.

 

  1. Não nascemos prontos-provocações filosóficas, Mário Sérgio Cortella, Editora Vozes
  2. Um dia na Terra, da organização de mesmo nome, fundada por Kyle Ruddick e Brandon Litman, documentário em vídeoUniversidade dos pés descalços, vídeo no Youtube – http://youtu.be/DoqQGU2ek3M e http://youtu.be/81j2ADXjm2k
  3. Entrevista com Satya Sai Baba – http://cepf-pilar.blogspot.com.br/2010/12/vis%C3%A3o-de-satya-sai-baba-sobre-2012.html
  4. Quem se importa – “Um filme para quem acredita que pode mudar o mundo”, de Mara Mourão, DVD

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